sexta-feira, 13 de maio de 2016

Giraud em Território Apache – Entrevista

Jean Giraud dedicando um álbum "Apaches", fora de série "Blueberry".
Fotografia de Joël Philippon, publicada em leprogres.fr


Entrevista com Jean Giraud
GIRAUD EM TERRITÓRIO APACHE
20 de outubro de 2007


Publicado à margem do Ciclo Mister Blueberry, o álbum “Apaches” é um fora de série publicado, em outubro, pela Dargaud. Segundo Jean Giraud, o álbum se trata de uma “obra renovada dada de presente aos leitores de Blueberry”.  Essa reprise, muito profundamente retrabalhada, traz um vislumbre novo sobre a vida do célebre tenente de nariz partido. De fato, este episódio se situa cronologicamente justo antes de “Forte Navajo”, o primeiro volume da saga.


“Apaches” não é uma obra inédita. Entretanto, o álbum tal qual se apresenta hoje constitui um conjunto original. Você poderia nos falar da gênese desta história?

Os leitores do Ciclo Mister Blueberry se surpreenderam que Blueberry foi quase ausente da ação ligada ao célebre duelo do OK Corral. De fato, ele foi gravemente ferido no começo da história. Mas durante sua convalescência, ele contou, em flash-back, um episódio de sua juventude, quando do seu primeiro encontro com Gerônimo. Foi essa aventura, essa “história na história” disseminada através dos cinco álbuns do ciclo, que eu escolhi desenvolver para fazer um álbum autônomo. Eu desejei retornar neste episódio porquanto, segundo eu, é ali que se encontra o verdadeiro eixo da história, que ilumina com uma luz nova a psicologia de Blueberry.


Efetivamente, mesmo se essa intriga já é conhecida, o fato de relê-la em sua unidade lhe dá uma força e uma coerência que nós não suspeitávamos. Mas isto teve que suscitar bastante trabalho?

Foi uma reposição de forma completa. Eu tive que dar uma nova apresentação e, sobretudo, conferir um tom inédito ao conjunto. Para encontrar a coerência e a justificação da história, eu retrabalhei um grande número de textos. Em seguida, eu tive que modificar várias cenas de narrativa, quando Blueberry contou sua história no passado, a fim de substituí-las por cenas de ação diretas no presente. Igualmente, eu inventei numerosos quadrinhos de ligação para assegurar a continuidade da intriga.  E enfim – e foi, para mim, o mais importante – eu tive que criar inteiramente as páginas finais, que fecham de vez esta história e permitem de reintegrá-la, como um prelúdio, às aventuras de Blueberry. É um episódio anterior a “Forte Navajo”, o primeiro álbum da série.


Você disse também que isso lhe permitiu corrigir certo número de erros de desenho. Jean Giraud desenhou mal o álbum? Isso seria um furo jornalístico...

(Risos). Há sempre pequenas retificações necessárias. Os reparos de desenho, às vezes, imperceptíveis. (Jean Giraud abre os diversos álbuns do ciclo para compará-los com as “novas” pranchas de “Apaches”). Aqui, eu removi um pilar visto que ele incomodava a legibilidade do desenho. Lá, foi diminuída uma mão a fim de melhor aderir à perspectiva. Eu mesmo corrigi uma verdadeira asneira. Na primeira versão, nós vimos um oficial que aparecia com uma barba e que a perdia desde o quadrinho seguinte! Felizmente, ninguém tinha notado. Mas, doravante, graças a “Apaches”, ela foi encontrada.


No total, o álbum se trata, portanto, de um trabalho considerável.

Considerável, de fato. Em cada página e, às vezes, em cada quadrinho, o álbum tem uma quantidade de detalhes ínfimos que foram retomados, tanto no nível do desenho quanto da cor. Aqueles que querem comparar as duas versões podem passar horas nisso. Porque, eu creio, isto não é o jogo dos “7 erros”, isto seria mais aquele dos “777 erros”!


Nesse álbum, Blueberry aparece como um bêbado, sempre entre duas brigas. Um verdadeiro anti-herói. É esta realmente a imagem que você quis dar?

Era inevitável. A partir da morte de Charlier, eu não me sinto mais obrigado a respeitar essas leis do gênero. Foi por isso que Blueberry não é mais militar. Ele se tornou civil nesse “mister Blueberry” – que constitui um jogo de palavras para compreender como o “mystère Blueberry” (N. C.: “mistério Blueberry”). O impetuoso jovem homem que nós vimos em “A Juventude de Blueberry” foi profundamente atingido pela Guerra de Secessão. Ao final desse conflito, ele viveu um episódio trágico – um dia pode ser que eu conte – que o transformou profundamente. Ele se tornou um desperdício humano que atravessa uma grave depressão pós-traumática. À maneira de determinados veteranos de regresso do Vietnã ou do Iraque.


Isso faz com que o verdadeiro herói da ação mais pareça ser Gerônimo.

Sim, face Blueberry se tornar um perdido, é Gerônimo o verdadeiro herói. Ele constata sua degradação e utiliza seu desespero como uma alavanca. Nós vemos: minha preocupação não é a história ou a anedota, mas a parte de espiritualidade. Foi lá o verdadeiro eixo de minha história.


Pare-me se eu me engano: nós temos a impressão que esse Blueberry é bem desenhado por Giraud, mas foi Mœbius quem assinou o roteiro...

Eu estou inteiramente de acordo. É belo e bem um roteiro mœbiusiano. Porquanto, ele é marcado por todas as características que são o retorno permanente, as correspondências entre o passado e o presente, os jogos sobre as estruturas e os temas. E, sobretudo, as ideias de redenção e de busca introspectiva.


Nós sabemos que você vem de terminar o último episódio de “XIII”, que sairá em novembro de 2007. Mas o quê nos reservar o porvir? Nós podemos esperar um novo Blueberry ou nós vamos ver revir Mœbius?

Ah, é uma escolha cruel! Para dizer a verdade, eu não tenho ainda nada decidido. Eu tenho a possibilidade de fazer um novo “Inside Mœbius”. Mas, eu também estou extremamente tentado de reencontrar o universo do western e o estilo do Oeste que jogo sobre a performance e a acumulação gráfica. Visto que eu tenho vários roteiros em mente, inclusive um “Blueberry 1900”, mais centrado no fantástico. Mas eu creio que isto se decidirá no último momento...

Stan Barets

Fonte: Dargaud Éditeur, Paris, França.

Interview Giraud Jean. Giraud en Pays Apaches © Stan Barets, Dargaud Éditeur 2007

N. C.: A fotografia de Jean Giraud, feita por Joël Philippon, não consta na entrevista publicada no site da editora Dargaud.

Afrânio Braga

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